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quarta-feira, 7 de junho de 2023

Cracolândia em São Paulo: Comerciantes são chantageados por traficantes para afastar dependentes químicos




Entenda a situação alarmante no centro da cidade

A região central de São Paulo tem sido assolada por uma extorsão preocupante. Comerciantes relatam que criminosos responsáveis pela distribuição de drogas na cracolândia estão exigindo pagamentos mensais para afastar os dependentes químicos das portas de seus estabelecimentos e residências.

Dois lojistas confirmaram o ocorrido à Folha, admitindo terem realizado os pagamentos. Outros dois empresários da região também afirmaram ter conhecimento da extorsão. Uma moradora relatou ter sido abordada pelos criminosos. Todos eles pediram para não terem seus nomes divulgados por medo de represálias do crime organizado.

A Secretaria de Segurança Pública estadual (SSP) confirmou que está investigando as denúncias de extorsão contra os comerciantes na região, mas não divulgou mais detalhes sobre o caso.

Há pouco mais de um ano, a cracolândia foi deslocada dos arredores da estação Júlio Prestes, que havia sido seu endereço por décadas. Desde então, o "fluxo", como é chamada a concentração de usuários de drogas, tornou-se itinerante. Desde então, indivíduos supostamente infiltrados entre os dependentes de crack passaram a receber pagamentos de moradores e comerciantes. Nesse primeiro tipo de extorsão, a promessa era garantir a segurança dos trabalhadores e frequentadores da região, afirmou uma das fontes ouvidas pela reportagem.

No entanto, nos últimos meses, o modelo mudou para algo ainda mais abrangente. A extorsão agora é centralizada por um grupo que alega controlar o tráfico na área e, consequentemente, ter influência sobre o deslocamento dos dependentes. Esse grupo abordou os comerciantes exigindo o pagamento de R$ 150 mil, divididos em parcelas mensais de R$ 30 mil, para afastar o fluxo de uma das regiões afetadas.

O valor mensal é dividido entre os empresários da região, e o montante pode variar de acordo com o porte do estabelecimento, segundo uma das vítimas da extorsão. As parcelas geralmente estão acima de R$ 1.000 e abaixo de R$ 5.000, e o pagamento é feito em dinheiro. As cédulas são colocadas em envelopes e recolhidas por um mensageiro dos criminosos.

Os comerciantes afirmam não saber se os responsáveis pela extorsão têm ligações com o PCC, facção criminosa apontada pela polícia como responsável por comandar o tráfico de drogas na região.

Em um dos relatos específicos mencionados na reportagem, a movimentação de dependentes químicos se afastou da região onde estão localizados os estabelecimentos comerciais alguns dias após o início dos pagamentos.

Em um grupo de um aplicativo de mensagens mostrado à reportagem, pessoas que se dizem responsáveis pelo acordo postam imagens de ruas desobstruídas, inclusive durante as madrugadas, como forma de confirmar a eficácia do acordo.

Uma moradora disse que serviços de remoção e segurança foram oferecidos em sua rua, mas como ninguém aceitou pagar, os usuários de drogas permanecem no local.

Uma das vítimas afirmou que, embora seja uma medida inadequada, o acordo com o tráfico foi uma medida desesperada após meses de apelos às gestões do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Desde que a cracolândia se tornou itinerante, moradores e comerciantes das ruas afetadas têm enfrentado uma série de problemas. Dezenas de lojas na região central, principalmente nas imediações da Santa Efigênia, já fecharam suas portas devido à presença dos usuários de drogas.

Em alguns pontos, há centenas de dependentes químicos reunidos em condições sanitárias precárias, frequentemente bloqueando as ruas. Nos últimos anos, houve um aumento nos casos de roubos e furtos na região. Também há relatos de moradores que desenvolveram problemas psicológicos devido à situação.

Entre os comerciantes, há ceticismo em relação à eficácia dos pagamentos a longo prazo, e alguns estão considerando desistir, o que gera preocupações quanto a possíveis represálias. Um deles disse ter recebido ameaças de morte. Enquanto uns pagam para não terem suas lojas saqueadas, com o aumento da insegurança, todos os comerciantes perdem, pois o público tem evitado transitar pelas imediações, tamanho o perigo que correm de serem abordados por pessoas portando todo tipo de armas, que vão de pedaços de vidro à canivetes e facas.

Um membro da Polícia Civil confirmou o modo de operação e até mesmo o seu envolvimento no valor cobrado para prestação de serviços de segurança aos lojistas. Esse mesmo agente relatou que, além das ações dos traficantes, policiais civis, militares e guardas-civis metropolitanos atuam na venda de segurança privada na região.

A Prefeitura de São Paulo anunciou que sete guardas-civis metropolitanos foram afastados por condutas impróprias na região da cracolândia. Todos eles faziam parte da Iope (Inspetoria de Operações Especiais), unidade responsável por ações contra o tráfico de drogas e uso de crack em espaços públicos.

Na semana passada, o vice-governador Felício Ramuth (PSD) confirmou em entrevista à rádio BandNews FM que uma investigação está em andamento sobre denúncias de corrupção por parte das forças de segurança que atuam na região.

A reportagem tentou entrar em contato com a assessoria de imprensa do vice-governador entre segunda-feira (5) e terça-feira (6), mas não obteve resposta.

A Secretaria de Segurança Pública afirmou que todas as denúncias de irregularidades, envolvendo ou não agentes públicos, são rigorosamente investigadas pelas forças de segurança e pelas respectivas corregedorias.

Charles Resolve, presidente da Associação Geral do Centro de São Paulo, criada após a dispersão da cracolândia no centro da cidade, alerta aos comerciantes e moradores que não paguem por esse tipo de serviço, pois tal cobrança é ilegal. Ele ressalta que isso alimenta e fortalece milícias, que podem se estabelecer permanentemente na região.

Segundo Bruno Langeani, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, os criminosos que atuam na região promovem a insegurança e vendem a solução. Eles lucram com diversas atividades associadas, incluindo a insegurança que eles próprios criam.

Langeani enfatiza que a segurança privada é um serviço que deve ser formalizado e prestado por instituições cadastradas e fiscalizadas pela Polícia Federal.

O Ministério Público afirmou que analisará o pagamento pela segurança de agentes públicos ou criminosos por meio da promotoria de Justiça do Patrimônio Público.

Além disso, o Delegado e Deputado Estado Olim (PP-SP), em uma entrevista recente no programa Pânico da Jovem Pan, ressaltou a importância da internação coercitiva dos dependentes químicos e apontou a falta de interesse por parte do sistema judiciário em resolver essa questão.

O Padre Julio Lancellotti, em uma entrevista para a BBC no ano de 2021, já denunciava a existência de corrupção e afirmava que, se não fosse pela atuação das entidades religiosas em recolher muitos dos desamparados das ruas, a Cracolândia seria muito maior. Quando questionado se o trabalho das igrejas contribui para a acomodação das pessoas que recebem alimentação e roupas, o padre desafiou aqueles que duvidam a passarem uma semana nas ruas, dependendo dessas doações, para ver se eles optariam por permanecer nessa condição.

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